BALANÇO 2013 - Os descaminhos da Reforma Agrária
A Comissão Pastoral da Terra - Regional Nordeste II lança Balanço e
avaliação da Reforma Agrária no ano de 2013.
Para conferir o texto na integra, leia abaixo:
O Estado brasileiro, por mais um ano, transformou os sonhos do Sem Terra
e dos povos do campo em pesadelo. 2013 conseguiu ser ainda pior do que o ano
anterior, que já registrava um dos piores índices da Reforma Agrária na
história do país. Só após as muitas e exaustivas pressões dos movimentos
sociais, a Presidenta Dilma Rousseff assinou, de última hora, decreto presidencial
que desapropriou 92 áreas para a Reforma Agrária em todo o país.
Com as oito áreas que já haviam sido desapropriadas no mês de outubro, o
ano de 2013 se encerra com cem desapropriações de Terras que poderão assentar
menos de cinco mil famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra
no Brasil. No entanto, estas famílias ainda terão que penar por mais alguns
anos nos acampamentos até que ocorram as imissões de posses, em virtude da
crítica lentidão na efetivação dos assentamentos, para a qual concorrem o
Incra, o Ministério da Fazenda (TDA’s e créditos), e o Poder Judiciário.
O número de famílias que poderão ser beneficiadas por estas
desapropriações está muito distante da necessidade demandada pelos movimentos
do campo, que afirmam ter no Brasil aproximadamente 200 mil famílias acampadas.
Se continuar neste ritmo, o Governo Federal necessitará de mais 40 anos somente
para zerar o atual passivo das famílias acampadas.
As recentes Medidas Provisórias anunciadas pelo Governo no fim de 2013
não deixaram dúvidas com relação à política de Reforma Agrária defendida pelo
governo. Medidas que defendem a privatização dos assentamentos, a legalização
da grilagem, a descentralização das políticas e o sepultamento do Incra, entre
tantas outras que explicitam que é o Mercado quem regula o Estado na questão
agrária e não o contrário, como determina a Constituição e como reivindicam os
defensores da reforma agrária.
O Plano Nacional de Reforma Agrária, elaborado no início do Governo
Lula, e até então nunca implementado, fica cada vez mais distante no horizonte
das ações estatais. Vale salientar que tais medidas Anti-Reforma Agrária vem de
muito longe, com o governo FHC, a partir da chamada “Reforma Agrária pelos
correios”, do Banco da Terra, do Crédito Fundiário, da Medida Provisória que
impede desapropriações em terras ocupadas por trabalhadores e trabalhadoras
rurais.
Tais ações consolidam uma política de Estado de não-reforma agrária e
que cria um mercado de terras para atender à demanda do capital no País e não a
dos trabalhadores sem terras e do modelo sustentável que reivindicam.
Como se não bastasse, em 2013, as corporações internacionais avançaram a
todo o vapor para controlar as terras brasileiras, a produção de alimentos e,
assim, submeter o povo brasileiro à lógica do mercado e do capital
internacional. O Brasil tornou-se um microcosmo deste projeto destrutivo e
concentrador de desenvolvimento. A corrida pelo domínio da terra tornou os
imóveis rurais o principal ativo econômico da atividade agrícola.
Com incentivos e apoios estatais, o Brasil vem assistindo a
intensificação das dinâmicas de aquisição e dominação de novos territórios pelo
capital e suas corporações. A expansão de empresas ligadas ao grande capital
demonstra que a prioridade atual continua sendo a produção de monocultivos,
criação de bovinos voltados para o mercado externo, atendendo à incessante
demanda de expansão do cultivo de commodities e da mineração.
Violência no campo – O direito a vida também
está sendo negado
Em 2013, os conflitos agrários no país estiveram hegemonicamente
relacionados aos grandes projetos para estruturação e avanço do capital, como a
construção de hidrelétricas, portos, mineradoras, obras da Copa, projetos de
expansão do agronegócio, além de outras grandes obras de infraestrutura.
Esse contexto gerou vários conflitos territoriais que resultaram em
intensas ações de violência e que tiveram grande repercussão nacional,
envolvendo milhares de famílias camponesas e povos e comunidades tradicionais.
A título de exemplo, ressaltamos algumas dessas violências no Nordeste e
em outras regiões brasileiras: o conflito territorial envolvendo milhares de
famílias camponesas que resistem às violências desmedidas e cotidianas
praticadas pelo Complexo Portuário de Suape, que através de uma série de
ilegalidades e documentos fraudados, avança sob os territórios camponeses no
litoral sul do Estado de Pernambuco; o Projeto de Irrigação da Chapada do
Apodi, no Rio Grande do Norte, que revela a opção do Governo Federal em
extinguir um dos territórios de convivência com o semiárido mais exemplares do
Brasil, para beneficiar meia dúzia de grandes empresas do agronegócio. Ao
Norte, no estado de Rondônia e no Pará, o conflito com povos indígenas em
resistência às mineradoras e às hidrelétricas como a de Belo Monte e de
Itapajó. No Centro-Oeste, em Mato Grosso do Sul, a resistência até as últimas
consequências do povo indígena Guarani-Kaiowá em defesa de seu território. No
Sul, os conflitos territoriais nos estados do Paraná e do Rio Grande do Sul,
também envolvendo a defesa dos territórios indígenas contra a ofensiva dos
ruralistas.
A perversidade deste modelo de desenvolvimento, implementado pelo Estado
Brasileiro, e dos grandes projetos para estruturação e avanço do capital, tem
ameaçado a vida no campo. Este modelo, para se viabilizar, precisa cada vez
mais de terra, água e de biodiversidade, causando conflitos com as populações
que vivem tradicionalmente nestes territórios. Dados parciais da Comissão
Pastoral da Terra (CPT), para o ano de 2013, registram 697 casos de violências
contra camponeses ou camponesas em conflitos territoriais, além de 108 ameaças
de morte. A maioria concentra-se no Norte e Nordeste do País.
Povos Tradicionais – Continua sem se
respeitar o lugar que é deles
Entre os casos de violências registrados parcialmente pela CPT em 2013,
destacam-se os conflitos territoriais envolvendo as populações indígenas. Dos números
parciais de assassinatos no campo em 2013, aproximadamente 50% das vítimas
foram indígenas. As ações de mobilizações e retomadas de Terras Indígenas
também foram as que mais se sobrepuseram em todo o país.
Em 2013, os povos originários sofreram todos os tipos de violência,
desde ameaças, assassinatos, perseguições - provocadas pelos grandes
latifundiários e empreendimentos do capital - até a violência praticada pelo
próprio Estado Brasileiro, através da força policial, do Poder Judiciário e das
portarias e decretos que limitam as demarcações dos territórios.
A relação de conflito envolvendo o Estado, o capital e as populações
tradicionais revela que o país vive uma crise de destino. Nestes territórios
tradicionais também se concretiza a luta de classes. A vida dos povos do campo,
das florestas e das águas está relacionada à possibilidade de permanência
nestes territórios. São neles que se praticam as mais diversas formas milenares
de saberes e fazeres de maneira entrelaçada com a natureza. A apropriação dos
territórios camponeses e indígenas pelo capital representa a morte física e
cultural, material e simbólica de nossas raízes e da possibilidade de Vida para
as futuras gerações.
Transgênicos e Agrotóxicos: Aumenta o veneno
em nossa mesa
Ainda em 2013, a atuação do Governo Federal em relação à liberação de
sementes transgênicas permaneceu vergonhosa. O país mostrou que, cada vez mais,
segue refém dos interesses de empresas transnacionais, como a Monsanto, a
Sygenta, Bunge, entre outras. Este fato explicita que o Governo Brasileiro
coloca em jogo a soberania alimentar de seu próprio país, aniquilando o direito
dos agricultores e agricultoras de cultivarem suas próprias sementes e de
levarem comida saudável para a mesa do povo brasileiro.
Com relação aos agrotóxicos, a tendência de uso intensivo permaneceu em
2013. De acordo com dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para
Defesa Agrícola (Sindag), o mercado brasileiro de agrotóxicos movimentou, só em
2012, US$ 9,7 bilhões. Hoje, o país já é responsável por 20% de todos os
venenos despejados na agricultura no mundo. Atualmente, a avaliação dos
agrotóxicos seria um dever conjunto do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA). Tais órgãos deveriam avaliar a eficiência agronômica do produto, os
efeitos à saúde humana e conferir os impactos ambientais, respectivamente.
Visando a elevação ainda mais significativa do comércio de agrotóxicos,
o agronegócio agora opera para promover o desmonte desse controle Estatal, já
considerado ineficiente e frágil. Grandes Corporações, com apoio da bancada
ruralista, defendem a criação de uma nova Comissão, formada por 13 a 16
membros, sem a participação da ANVISA e do IBAMA e subordinada à Casa Civil,
que assumiria a função de deliberar sobre a aprovação ou não do registro de um
determinado agrotóxico.
Trabalho escravo: De Volta à Casa Grande
A conjuntura de 2013 traz o ano todo a ofensiva ininterrupta dos
ruralistas contra o conceito de trabalho escravo. O Projeto de Lei
Constitucional PEC 57-A/99, aprovado na Câmara dos Deputados em 2012,
possibilita a expropriação das propriedades urbanas e rurais onde for
localizada a prática do trabalho escravo. A medida foi apoiada por diversas
entidades da sociedade civil.
No segundo semestre de 2013, por manobra da bancada ruralista, passou-se
a exigir uma revisão do conceito de trabalho escravo. Os ruralistas querem
restringir a definição do Trabalho Escravo às formas de exploração que remetem
às condições de trabalho escravo do século XVI, como o trabalho acorrentado e
chicoteado. A ação intencional visa desconsiderar as características da escravidão
moderna (jornada exaustiva, condições degradantes, etc).
A bancada ruralista, que sempre esteve contrária ao confisco da
propriedade, quer impor suas condições da definição de trabalho escravo do
jeito que lhe convém, através da proposta de Lei (PLS 432) do senador Romero
Jucá. A regulamentação proposta pelo mencionado senador, visando atender ao
interesse dos grandes proprietários, retira toda eficácia da PEC do Trabalho
Escravo, contribuindo, assim, para que esta prática continue sendo comum no
Brasil. Os ruralistas querem a volta da Casa Grande e de suas práticas
desumanas, para que os escravagistas voltem a reinar, agora com o nome de
agronegócio.
Lutas que marcaram 2013
Mesmo diante de todas as dificuldades impostas pelo Estado e pelo
agronegócio, os camponeses e camponesas continuaram lutando pela Reforma
Agrária, pelos seus territórios tradicionalmente ocupados e seguiram resistindo
ao avanço do latifúndio, do agronegócio e das corporações.
Algumas destas grandes mobilizações marcaram este ano que se encerra,
como a jornada das mulheres da Via Campesina, realizada em março e que
mobilizou mais de 10 mil camponesas em todo o país para exigir o assentamento
das 200 mil famílias acampadas. Outra frente importante foi a das mulheres que, em defesa de direitos e de um
novo modelo socio-econômico-ambiental para o Campo, organizaram, em vários estados brasileiros,
ocupações de terras, de empresas de agrotóxicos, de Usinas de cana de açúcar,
de prédios públicos, além da realização de marchas e bloqueio de rodovias.
Também no mês de março, relembramos o início do acampamento da Via
Campesina, realizado em Brasília e que durou três meses. Neste período, foram
realizadas marchas, ocupações de Ministérios, além de manifestações e atos
políticos.
Ainda em março, por ocasião do dia Internacional de lutas contra as
barragens, pelos rios, pela água e pela vida, o Movimento dos Atingidos pelas
Barragens (MAB) organizou jornadas de lutas nacional com o objetivo de
fortalecer o apelo pela defesa dos rios, da água e da vida.
Em abril, o MST organizou sua jornada de caráter nacional, com
mobilizações em 19 estados, além do Distrito Federal. Foram mais ocupações de
terras e mobilizações em prédios públicos, prefeituras e realização de marchas
em todo o país.
Em abril também foi realizado a 11ª edição do Abril Indígena ou
Acampamento Terra Livre, que representou um passo significativo para denunciar
e tornar mais visível a situação de violência em que vivem os povos indígenas
em todo o país, principalmente as
praticadas pelo próprio Estado brasileiro. Cerca de 700 indígenas ocuparam o
plenário da Câmara dos Deputados, produzindo uma imagem marcante que rodou o
país e o mundo, onde os deputados corriam apavorados diante da investida
pacífica dos indígenas, que exigiam a suspensão da PEC 215, referente a
mudanças na competência de demarcação de seus territórios.
O movimento sindical também ocupou as ruas em 2013, a exemplo da
realização de mais uma edição do Grito da Terra, realizado em Brasília no mês
de maio. A mobilização nacional, que reuniu milhares de trabalhadores e
trabalhadoras rurais, foi precedida de um conjunto de manifestações estaduais e
regionais.
Nos meses de junho e julho, as organizações que atuam no campo se
somaram às dezenas de manifestações populares que emergiram em diversas cidades
do país. Os povos do campo saíram as ruas de inúmeras cidades do país,
trancaram rodovias, ocuparam prefeituras e órgãos públicos para exigir e
colocar em pauta a necessidade urgente da realização de uma ampla Reforma
Agrária.
Em outubro, as mobilizações ocorreram em torno da Jornada Unitária por
Soberania Alimentar. Na ocasião, os povos do campo, mais uma vez, promoveram um
conjunto de ações e mobilizações, como marchas, ocupações de terras e de
prédios públicos.
O ano de 2013 também destacou-se pela luta para a regularização dos
territórios pesqueiros no país. Embora seja uma atividade milenar, os
pescadores e as pescadoras artesanais não possuem normativas que assegurem os
seus territórios. A pesca artesanal, grande celeiro de alimentos, que produz
70% do pescado no Brasil, está sendo ameaçada pelos grandes empreendimentos em
torno dos portos, da especulação imobiliária, e pela degradação dos ambientes
costeiros e das águas interioranas.
Estamos todos e todas convocados a caminharmos firmes como quem enxerga o invisível.
A luta pela Terra e pelo território, historicamente defendida pelos
movimentos sociais e necessária para transformar verdadeiramente a estrutura
fundiária e de poder no país, não existe no horizonte do Estado brasileiro.
Este, por seu turno, desde sua constituição, caminhou ao lado do latifúndio, do
agronegócio e do capital. As forças conservadoras utilizam a mídia e outros
aparelhos ideológicos existentes para anunciar a falsa ideia de que o
agronegócio e o desenvolvimentismo são as únicas possibilidades históricas para
o campo brasileiro.
Os diversos povos da terra e das águas encontram-se em pleno processo de
genocídio e de extinção. Cabe a eles assumir a responsabilidade da realização
da Reforma Agrária e da conquista de seus territórios. Frente a este cenário,
acreditamos na mística dos povos, na sua força e na capacidade criativa nas
lutas e resistências. Às organizações sociais e à sociedade cabe mergulhar nas
correntezas subterrâneas e ouvir os clamores que vem das Terras, das florestas
e das águas.
Comentários
Postar um comentário